• ODRE DE FOGO, HERÁCLITO

    Como o fogo e os espelhos,o universo é sozinho,Heráclito. E os sonhoscomeçam a deformarfolhas de realidade. E o que o fogo devoraé só matéria, que às vezesse refaz com as chamas.E a água engolea alma. Mas nada é igual,embora o pensamentoseja incêndiona nervurade algumaprimavera. Mas o que queimaé corpo, corpo,artéria do absoluto. E o…

  • Entrevista com Milton Gustavo

    Entrevista com Milton Gustavo, autor do romance O Deus oculto no canto do córner, agora em segunda edição (Sator, 2025). A entrevista foi realizada por e-mail. As perguntas foram elaboradas por Dixon Brooks. 1. Você se considera maluco? Não me considero maluco. Mas nenhum maluco se considera maluco, não é? Quando o maluco se…

  • Um ensaio de Claudio Comendini sobre o romance de Karleno Bocarro

    As almas que se quebram no chão, de Karleno Bocarro, é um romance ambientado na Berlim Oriental dos últimos suspiros da Guerra Fria. A cidade, ainda marcada pela divisão ideológica e pela decadência do regime socialista, serve como pano de fundo para uma narrativa que acompanha jovens brasileiros em processo de desintegração pessoal e…

  • Lunalva

    Se quiserem saber quem sou— Não sei quem souSó sei que em mimA sombra e a luzSão vultosQue se buscam e se amamLoucamente Se quiserem saber do meu destino— Não sei do meu destino— Não sei do meu nomeSó sei daquela sedeImensa sedeQue ainda não foi saciada Se quiserem saber donde venho— Não sei…

  • Das medidas

    Todos me avaliam, mensuram, somamos atributos e os glóbulos.A cabeça e justamente os olhos. A lucidez me dóicomo um revésde não ser nada disso,de não levar o chapéu nos comícios,o chapéu do argumento nítidoque cabe na frase ou na testa. Medem-me, terrenoa ser comprado e aradoe se o for, o endereçonão será o do…

  • No tribunal

    Eu e o tribunal,e sua fria mudez.O juiz no centro e no fim,o rosto girando em mim,farândola. Vim, com a escura coragem,de um réu antigo e selvagem.O que me prendeu,lutou comigo e venceu.Vacilava em me reter,mas eu que me entregava,por saber que minha chagaestava exposta na lei. Giram as mãose os pés atados. O…

  • Soneto aos sapatos quietos

    Os pés dos sapatos juntos.Hei-de calçá-los, soltose imensos, e talvez rotos,como dois velhos marujos.

  • O ganho

    Dos deuses não espero soldo, nem reses.De ganho, só meus proventos:de ganho, o que esbanjo ao vento.De ganho o que cava a pá.De ganho o que faz a paz.De ganho o que a morte dá,dia dia, ano e ano.

  • Aos amigos e inimigos

    De amigos e inimigosfui servido,agora estamos unidos,atrelados ao degredo.

  • Os Viventes de Nejar

    Mitos, pessoas e animais formam o núcleo desse livro de Carlos Nejar. Sendo um escritor com acentuada consciência de seu tempo, não parece disposto a contaminar-se pelos postulados teóricos dos que falam de poesia em extinção. Portanto, não submisso ao profetismo hegeliano que no século XIX anunciou o fim da arte, tese frustrada por…